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Entendendo algumas dificuldades da Hipnose enquanto Ciência

A Hipnose no Brasil é considerada científica? Acredito que a resposta seria “Sim e Não”. Ela é sim considerada ciência, pois alguns conselhos de saúde afirmam da grande utilidade que ela tem como auxiliadora aos tratamentos realizados – os conselhos seriam: CFM, CFO, CFP e CREFITO. Mas porque eu disse “não”? Pelo fato de várias pessoas ainda a enxergarem como crendice, falsa, miraculosa, mística, vinculada aos ocultistas… Ou seja, mesmo tendo a validação científica, muitas das pessoas, até mesmo das universidades, acreditam que ela não é útil nem mesmo verdadeira. E porque isso? Acredito que a história do “surgimento” da Hipnose pode nos dar uma luz a essa escuridão. Portanto, contarei um pouco sobre uma das ciências que a descartou.

A Hipnose surgiu antes de Wundt, criador da Psicologia Experimental, sendo ela usada como tratamento. Wilhelm Wundt (1832 – 1920) sempre foi dedicado aos estudos desde jovem. Aos 19 anos entrou para a faculdade de Medicina e, em 1875, ingressou como professor em Leipzig, instalando seu laboratório e produzindo por 45 anos depois disso[1].

No entanto, bem antes do criador da Psicologia já ocorriam processos hipnóticos. Sua historicidade é mais antiga do que se imagina, sendo encontrado um papiro no Egito antigo, datando 3 mil anos, com técnicas de indução hipnótica e tornando-se científica pelo magnetismo animal, precursor da hipnose, pois nesse método utilizava-se de técnicas hipnóticas[2]. Mesmer, criador do magnetismo animal, mal sabia que usava a hipnose para o tratamento de seus pacientes. Para ele, o paciente estaria curado caso tivesse convulsões, tornando famoso seu método de cura em Viena e Paris.

A diferença entre o magnetismo animal e a hipnose estava em como se davam as explicações em relação aos efeitos da hipnose. O magnetismo animal dizia que seus efeitos eram uma força do cosmos que hipnotizava as pessoas, já para hipnose, a partir do Padre José Custódio de Faria – mais conhecido como Abade Faria – os efeitos do processo hipnótico estavam no sujeito, ou seja, era o próprio sujeito que permitia-se entrar em transe[2].

Por volta de 1841 o termo hipnotismo passou a ser utilizado em detrimento do magnetismo animal, sendo cunhado por Braid, que baseou o processo hipnótico no processo onírico, porém, o sono hipnótico não se equivale com o sono fisiológico.

 

Já quase no fim de sua carreira, Braid descartou-se em parte do método do cansaço visual e do da fascinação, pois descobriu que podia hipnotizar cegos ou pessoas em recintos obscurecidos. Dessa observação em diante passou a dar maior importância à sugestão verbal. Vencida esta fase, não tardou em descobrir que também o sono não era necessário. Para produzir os fenômenos hipnóticos, tais como a anestesia, a amnésia, a catalepsia e as alucinações sensoriais, não era preciso submergir o “sujet” na inconsciência onírica. Quando, porém, Braid se capacitou de que a hipnose não era sono, a palavra h i p n o t i s m o já estava cunhada. E, certo ou errado, é o nome que vigora até os nossos dias [2].

 

Mesmo a hipnose precedendo a Psicologia Experimental historicamente falando, ela teve seus caminhos obstruídos (e até encobertos) pela Psicologia, sendo esta considerada ciência e a hipnose não. Lógico que a culpa não foi apenas da Psicologia para que a hipnose deixasse de aparecer, houve também questões políticas, paradigmáticas e até religiosas[3].

Como dito anteriormente, o magnetismo animal de Mesmer foi um precursor da Hipnose. Além do misticismo trazido pelas suas explicações, os praticantes de mesmerismo e hipnose possuíam ideias “revolucionárias”, as quais questionavam os

 

valores sociais vigentes de modo que ao mercantilismo, ao materialismo e à exploração utilitária, ele opunha valores como a solidariedade, a ética, a espiritualidade e o reconhecimento de uma condição superior do ser humano. Isso não implicava que os magnetizadores fossem adeptos de uma anarquia social, pois eles mesmos não renunciavam a suas condições de nobres e burgueses nem eram avessos à hierarquia nas relações. Eram, porém, questionadores severos das regras sociais vigentes, e sendo apreciadores de Rosseau, chegavam a tecer críticas incisivas sobre elas [3].

 

Desses questionamentos e posições, veio sobre como a medicina trabalhava na época, de como as faculdades compravam cadáveres de moribundos e utilizavam com uma falta de ética para estudos. Além disso, os médicos detinham um saber especializado muito caro, onde não era acessível a todos e muitas vezes geravam questionamentos sobre os procedimentos realizados, sendo invasivos em certos momentos. Opondo-se a esse tipo de prática médica, os mesmeristas incentivam o processo de cura de uma forma mais humana, menos invasiva, ensinando mecanismos para alcançar uma maior autonomia, ou seja, que não dependesse de outrem, além de que muitas vezes os tratamentos realizados eram gratuitos, pois tinham um cunho espiritual. Devido à geração de independência e melhoria de saúde das pessoas, a comunidade médica enxergou o mesmerismo ainda mais como uma ameaça, pois além de não se portar enquanto uma ciência, estava tirando pessoas de seus consultórios. A partir disso, começou-se a acusar os praticantes de mesmerismo como uma prática médica ilegal[3].

Outra avença tida, como dito na citação, foi pela questão política. Como a sociedade era constituída encima do patriarcado, a mulher tinha grandes limitações enquanto agente social, sendo posta para dentro de casa como uma tentativa da Igreja Católica de aumentar a taxa de natalidade infantil[3]. Além disso, apontava-se que eram as mulheres a serem capazes de atingir o estado sonambúlico e através dele falar com a Natureza, ou seja, espíritos. Esse último fator assustou ainda mais a Igreja Católica, a que então passou a repudiar e condenar quem utiliza-se dessas práticas[3].

O fator paradigmático científico teve também a sua contribuição para marginalizar a mesmerismo/hipnose em sua época, devido à metodologia positivista que vigorava[4] e ainda permanece hodiernamente. Como o intuito era sempre de quantificar, mensurar os dados, matematizar os resultados para chegar sempre ao mesmo resultado, a subjetividade decorrida no processo de estudo era deixado de lado, colocando a objetividade como centro dos procedimentos. Portanto, com a Hipnose e o Magnetismo Animal banidos das comunidades acadêmicas, foi-se criando escolas ocultas para o estudo dos mesmos, corroborando ainda mais com essa questão da marginalização, porém promovendo um avanço qualitativamente importante em suas produções[3].

Hodiernamente, a hipnose tem aparecido em diversos âmbitos além da clínica, o que a popularizou novamente. Interessante ver que o movimento ulterior, o de “marginalizar” a hipnose, persiste, pois quase nenhuma universidade a coloca como disciplina em sua grade curricular. Pensando nisso, porque não voltamos para essas academias e aumentos suas pesquisas? Será que ainda há muitas barreiras como outrora? Acredito que sim, porém há em contrapartida uma “falta de compromisso” de quem tem a possibilidade de utilizar da hipnose e fazer publicações científicas da mesma. Portanto, fica um convite para juntar-se a nós nessa árdua, mas gratificante, batalha de divulgação da hipnose.

 

leu garcia
By Leonardo Garcia
Hipnólogo e Psicólogo formado pela Universidade Estadual de Maringá.

 

 REFERÊNCIAS
[1] Schultz, D. P; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia moderna. 1º ed. São Paulo. Ed: Cultrix. 1981
[2] WEISSMANN, K. O hipnotismo: psicologia, técnica, aplicação. Ed. Prado LTDA. Rio de Janeiro. 1958.
[3] NEUBERN, M. S. Psicologia, Hipnose e Subjetividade: revisitando a história. 2009.
[4] SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. Edição nº 5. São Paulo: Cortez, 2008.