Linguagem não Verbal e Hipnose
A criança ainda não fala. Mas quando chora, a mãe identifica exatamente o que acontece com ela. Fome, dor, fralda suja, manhãs… As possibilidades podem aumentar à medida que se especula sobre isso, mas a mãe vai saber o que está incomodando sua prole. Você já soube de alguma história assim?
No trabalho, aquele colega lhe pede um favor para trocar de horário em um dia específico porque precisa ir ao médico e esperou mais de três meses para conseguir essa consulta. Você solidário, troca. Ainda que acredite haver algo de estranho nessa interação e mais tarde descobre que ele queria na verdade assistir seu time de futebol no final do campeonato – e essa, parece familiar?
Você chega em casa, depois de um dia bom apesar de cansativo e começa a conversar com sua esposa (ou seu marido). Em algum momento você nota que, há alguma coisa errada naquela expressão. E mesmo perguntando se há algo errado a resposta é não. Ainda assim você tenta descobrir o que aconteceu, ou o que fez de errado, pois sabe que alguma coisa tem – essa história você conhece né?
O que cada uma dessas histórias tem em comum é um fator muito importante e sempre presente em nosso cotidiano, muitas vezes percebido com mais perícia por mulheres que homens. A linguagem corporal.
Em toda nossa comunicação ela está presente tendo, inclusive, uma relevância maior que o próprio conteúdo da mensagem. Quantas vezes você já ouviu a frase: “não é o que fulano disse, mas como ele disse”? Nesse caso, o conteúdo da mensagem (as palavras) foi incongruente com a linguagem corporal. Ou então, quantas vezes uma mensagem enviada através de um sms, carta ou chat gerou um resultado, uma interpretação ou reação diferente daquela mensagem que você desejava transmitir inicialmente? Aqui, a falta de um complemento na comunicação (expressão facial e corporal, tom de voz…) suprime parte do conteúdo e possibilita uma interpretação diferente.
A linguagem corporal possibilita uma comunicação mesmo quando o comunicante não deseja que seja dessa forma. Não há como não se comunicar. Mesmo quando você se abstém completamente de um assunto – numa roda de conversa, por exemplo – ainda assim está transmitindo uma mensagem que é captada pelos demais presentes. Quem faz esse serviço por você é sua linguagem corporal e isso acontece porque essa é uma comunicação inconsciente. Ainda que você queira controlar todos os gestos corporais nos mínimos detalhes, seu inconsciente continua mandando suas mensagens (que podem ser congruentes ou não com o que você deseja transmitir).
“Ah, mas quando eu vejo uma pessoa meditando, ela não está transmitindo nenhuma mensagem, não está dizendo nada”. Não mesmo? Como lhe parece que essa pessoa está se sentindo durante a meditação? Tranquila? Nervosa? Calma? Preocupada? Seu inconsciente trata de encontrar o significado – no seu mapa – do que aquela expressão ou fisionomia representa.
De igual maneira, dentro do set terapêutico o profissional deve se manter atento as mensagens que seu cliente envia.
Por exemplo: diante da pergunta “Acredita que vai se curar da doença?”, a resposta verbal será com frequência “Claro”, acompanhada, no entanto, de um movimento de cabeça que indica uma negação não verbal. Se trabalharmos com a pessoa somente baseados no que ela diz, perderemos metade da mensagem (Robert Dilts, Crenças: Caminhos para saúde e bem estar).
Quando o terapeuta ou coach percebe uma mensagem carregada de incongruências – como no exemplo da citação acima – trabalhar apenas com a mensagem verbal pode na maioria das vezes não surtir o efeito necessário ao cliente, uma vez que as causas são maiores ou mais profundas daquelas verbalizadas. Nesse caso, é importante o profissional entender como cada pequeno gesto é relevante dentro do contexto específico daquele paciente.
Na série Lie to me, um especialista em Expressão Facial da Emoção (EFE, que analisa micro expressões primárias) cria uma empresa de consultoria que assessora órgãos governamentais como a polícia federal americana, dentre outros, a descobrir se determinado sujeito está mentindo, ou que está escondendo. Também presta assessoria a empresas para fechar contratos milionários, apenas avaliando quando pode efetivamente finalizar a venda, aproveitando ao máximo cada lance. Uma frase característica desse personagem é que “a verdade está escrita na cara de vocês”. Muito importante nesse caso é salientar que a série é baseada nos estudos de Paul Ekman, pioneiro no estudo das emoções e expressões faciais (Aliás, se o tema lhe interessa, seus livros são de grande valia).
Tanto na série, quanto nos materiais do referido autor, fica claro a necessidade de prestar atenção ao contexto. As micro expressões para as emoções primárias praticamente não mudam independente da cultura. Porém o contexto em que se apresentam podem determinar significados – ou entendimentos – diferentes. Por isso a necessidade de dominar essa linguagem e respeitar o cliente exercitando o não-julgamento. Importante ressaltar que, EFE e linguagem corporal podem parecer ou ter ligação, mas não são a mesma coisa. A EFE tem validação científica e analisa cabeça, face e pescoço enquanto a linguagem corporal analisa o sujeito como um todo. O livro “O corpo fala” de Pierre Weil e Roland Tompakow é um excelente material para você que deseja se aprofundar mais nesse assunto.
“Os olhos são as janelas da alma”, e também indicam claramente como estão acontecendo os processos mentais no sujeito durante seu pensamento e, não somente eles revelam “os segredos da alma”; a postura e a combinação de gestos, principalmente quando repetidos, praticamente escrevem um livro com tantas informações sobre o cliente que está na frente do terapeuta.
Hoje tive um exemplo que cabe muito para ressaltar essa importância. Trabalhava com uma cliente de emagrecimento para acabar com uma compulsão por alimentos (técnica disponibilizada no livro Transformando-se). Enquanto buscava as informações necessárias, em determinado momento ela me respondia vocalizando “sim” e ao mesmo tempo “fazendo que não” com a cabeça. Conforme continuei insistindo, cheguei ao cerne da questão onde a resposta foi sim tanto verbal quanto corporalmente.
Com tanta informação, com agir? Qual caminho a seguir? Conhecer. Ser fluente nessa língua que também nos é nativa, mas negligenciada. Assim, você pode viajar tranquilo para as terras da linguagem corporal sem medo de ser enganado por um cliente brincalhão, ou ainda, pode ajudar de maneira mais efetiva aquele cliente que, como diria Virginia Satir, está cheio de partes bem intencionadas e conflitantes.
By Marco Antonio Bernieri
Treinador Pessoal, Palestrante, Hipnoterapeuta, Coach de Vida e Esportivo, Practitioner em PNL – CREF: 018477-G/SC
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